Cultura do estupro e feminismo

Série 'Orange is the New Black' (Foto: Netflix)

Oi gente, Parker aqui! Essa já é a minha terceira coluna, espero que vocês estejam acompanhando, refletindo e aproveitando esse conteúdo. Lembrando que nossos próximos encontros serão nos dias 15 de outubro e dezembro, quando sairão as minhas postagens. Cada coluna aqui tem um tema diferente que está inserido em uma esfera maior: o movimento feminista. 

Em junho eu falei sobre o feminismo interseccional, ou seja, como diferentes características biológicas, geográficas e demográficas interferem na luta das mulheres por igualdade de direitos. Se você nunca ouviu esse termo ou ficou com alguma curiosidade, você pode acessar a postagem da coluna anterior clicando aqui.

Essa semana eu vou falar de uma coisa que machuca muito, mas é necessário falar sobre. O tema dessa coluna é a cultura do estupro. Porque estamos inseridas em uma esfera em que todas as nossas liberdades – até aquelas mais básicas, ou seja, propriedade sobre o próprio corpo – foram cerceadas. Esse tipo de agressão ocorre contra pessoas independente do gênero, mas esse assunto se encaixa nessa coluna porque, de acordo com os dados do IPEA, em cerca de 90% dos casos os agressores são do sexo masculino e 88% das vítimas são do sexo feminino. 


MAS AFINAL O QUE É 'CULTURA DO ESTUPRO'?

Cultura do estupro é um termo utilizado socialmente para descrever como são interpretados atos de violência sexual cometido contra indivíduos, majoritariamente do sexo feminino. Vamos identificar os significados que compõe o termo por partes: 

1. O estupro configura-se num crime contra a liberdade sexual. De acordo com o Código Penal Brasileiro em seu artigo 213 (na redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), estupro é: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. “Ato libidinoso” refere-se a qualquer ação que tem como objetivo a satisfação sexual, não tem a ver somente com o ato sexual em si. 

2. Cultura porque esse tipo de comportamento foi naturalizado, institucionalizado e faz parte dos hábitos de uma população. 

A violência sexual contra a mulher se configura em uma prática cultural porque ela se relaciona diretamente ao ‘modus operandi’ da sociedade machista. Isso implica em dizer que a sexualidade feminina também se torna fator de opressão. O modelo de organização social e as dinâmicas de poder causam tanto impacto na sexualidade das mulheres que acabam moldando o que é aceito e o que não é, o que é certo e o que é errado. 

Mulheres não podem ter desejos sexuais muito explícitos, mas também não podem ser frígidas. Não podem dormir com vários homens, não podem se masturbar. Quando entre duas mulheres, o ato sexual é um fetiche e elas sempre devem estar dispostas a transar com seus maridos, fazer suas vontades. Além disso, mulheres devem sempre se preservar, não usar roupas curtas ou que mostrem muito o corpo, já que homens apenas seguem seus instintos. Afinal, é normal que a sexualidade de mulheres não me pertença a elas, mas quaisquer pecados cometidos contra ela, sim. 


COMPORTAMENTOS RELACIONADOS À CULTURA DO ESTUPRO

Como cultura, na verdade definimos uma série de práticas, hábitos e comportamentos. Alguns destes são violências sutis, mas que contribuem muito para a normalização do ato e para que atrocidades aconteçam diariamente. Estão elencadas a seguir (atenção para doses pesadas de ironia pois é melhor dissimular para não chorar): 

1. O estuprador pode ser um conhecido
Quando se fala em estupro, há um imaginário comum por trás dessa ação que é quase o plot de um filme de terror. Um monstro, uma pessoa desprovida de senso moral ou empatia, um verdadeiro vilão que ataca mocinhas pelas sombras. Na realidade, estupros acontecem diariamente em casamentos aparentemente saudáveis, porque é pressuposto que a mulher sempre deve estar disponível para satisfazer a vontade dos maridos. E que se há hesitação, só é necessário um pouco de insistência, afinal, o laço matrimonial parece ser fator de obrigação suficiente. 

2. Assédio sexual
Desde muito novas as mulheres passam por momentos constrangedores nas ruas: desde olhares constrangedores até verbalizações. Os homens se sentem à vontade para abordar uma mulher e sexualizar o corpo dela em qualquer ambiente, mesmo que não seja adequado, mesmo que ela se sinta visivelmente desconfortável. Hoje em dia a gente está problematizando esses comportamentos, mas eles já foram valorizados, como se reafirmassem a beleza e a feminilidade de uma mulher ao elevá-la ao patamar de objeto de desejo. 

3. Objetificação da mulher 
Até porque mulher só tem uma função: despertar o desejo sexual do homem. Para isso, ela deve sempre estar bonita, arrumada, desejável, sua personalidade, aparência ou conquistas não importam. Os olhares direcionados a ela não são olhares para um ser humano e sim para um “algo” a ser apreciado. Um objeto que não tem opinião ou vontade própria, assim, e é possível fazer o quiser com ele, inclusive possuí-lo. 

Esse ponto entra em embate com um outro muito importante: a liberação dos corpos femininos, da expressão da sexualidade feminina. Mulheres têm desejos sim, e deveriam poder mostrar seus corpos da mesma forma que os homens podem. Essa é uma das principais pautas das ditas “feministas liberais” e já desencadeou uma série de movimentos como a marcha das vadias, por exemplo. O problema é que não existe liberdade sexual feminina quando nossos corpos são encarados como material de punheta. Não gosto de usar conotações fortes assim, mas desde que encarei as coisas dessa maneira, não pude deixar de pensar que não há outro jeito que traduza como realmente são encarados corpos femininos nus. 

4. Desrespeito ao não 
O ‘não’ feminino é tão banalizado e desrespeitado que parece que nem existe. Sempre há uma insistência, parece que o ‘não’ é um jogo, é para tornar a conquista mais difícil, que mascara os verdadeiros interesses, quando na verdade ele é apenas um ‘não’, “não, não estou com vontade e gostaria que você me deixasse em paz”. Infelizmente, o ‘não’ só serve quando ele pode ser devidamente justificado com algo do tipo “eu já tenho namorado” porque aí pressupõe-se que aquela mulher é território de outro homem, e ele sim deve ser respeitado. Caso contrário, a mulher continua sendo coagida a dizer um ‘sim’. 

5. Relativização da violência contra a mulher 
O estupro é o único crime onde a vítima é julgada junto com o criminoso. “Se não estivesse usando tal roupa, se não estivesse em tal lugar, se não estivesse bêbada, se não estivesse sozinha isso não teria acontecido”. A segurança que todo cidadão sente ao procurar a polícia quando é furtado ou assaltado não existe para as vítimas de estupro. Elas são interrogadas, obrigadas a reviver acontecimentos traumáticos de forma muito detalhada, a todo momento são culpabilizadas e ao invés de encontrarem acolhimento, encontram desconfiança e descrença. Tudo isso gera o silenciamento de milhares de mulheres vítimas. 


E O QUE FAZER?

Infelizmente, nós mulheres ainda temos que nos proteger, temos que proteger nossas amigas e nossa familiares, temos que proteger nossos corpos. É maravilhosa a ideia de liberdade e igualdade sexual na teoria, as na prática, os nudes que você mesma posta não são tão empoderadores assim. Não quando o seu corpo ainda é subjugado pelo olhar do outro. 

As mulheres precisam se proteger, não se cobrindo, porque as roupas não justificam uma violência, mas sim, mentalmente. É preciso que as meninas desenvolvam uma mentalidade forte e segura que as proteja de possíveis decisões e atos autoritários e não consensuais, que as possibilite diferenciar um elogio de um assédio, que as permita lutar contra esse tipo de violência de maneira figurada e literal. Nós precisamos falar sobre, precisamos que todas as meninas saibam que elas não merecem passar por isso, em hipótese nenhuma, precisamos ensinar o que é o verdadeiro empoderamento. 



Postagem escrita por Parker, colunista desse site, estudante e fanfiqueira. Graduanda em Rádio e TV. Confira todas as postagens dessa coluna clicando aqui.

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