![]() |
Série 'Pose' (Foto: 20th Television) |
Olá queride leitore! Este mês eu tô chiquérrimo na linguagem neutra (vou deixar um guia no fim do artigo!), e espero que esteja bem durante essa pandemia, e fico muito feliz que você venha ler esse pequeno artigo sobre filosofia. Pensar faz bem! Na minha coluna hoje a gente vai falar de um assunto bem importante pro site, e pre leitore também. Mas antes de tudo, feliz Mês do Orgulho LGBTQ+! Você não achou que escolhi falar sobre o que vou falar nesse mês a toa né? Com certeza não foi só uma coincidência feliz que eu vou aproveitar (não-ironicamente). Mas agora falando sério, o assunto de hoje tem tudo haver com orgulho, e com a identidade LGBTQ+. É impressionante que se fale sobre tudo isso em filosofia né? Eu acho! Então se preparem, pois tá aqui: Vamos falar de Teoria Queer!
No artigo passado falamos um pouco sobre o que é filosofia (clica aqui pra dar uma olhada!), e uma resposta que chegamos é que Filosofia é questionar. Bem, hoje o artigo entra de cabeça nisso, porque Teoria Queer é sobre questionar nossas identidades. Se prepara pra um modo de pensar que problematiza TUDO, que deixa os canceladores de Twitter no chinelo quando o assunto é desconstruir.
Pra começar, vou falar da história bem curtinha da Teoria Queer, quem fez, quando vez, como fez, porque fez. Você vai ver que tudo é muito recente e novo, várias das pessoas que vou citar ainda estão vivas e produzindo. Depois, vamos dar uma olhada na história do nosso conceito de "heterossexual" e "homossexual", e dar aquela velha e boa desconstruída nele. Vamo lá!
O QUE É QUEER?
Primeiro, vamos definir o que é "queer". Você já pode até saber ou ter uma ideia do que significa, mas na Filosofia somos virginianes: tudo tem que estar dito, definido e esclarecido. Então, a palavra "queer" vem do inglês, e significa algo como estranho ou excêntrico. Ela antes não era pejorativa, só virou quando começaram a se referir a pessoas LGBTQ+ com ela, e aí o sentido ficou meio impregnado de preconceito. Mas, como outros termos que antes eram ofensivos, "queer" acabou virando uma palavra de identificação, usado pelo grupo de pessoas marginalizadas que ela pretendia atacar. Mais que qualquer coisa, hoje, a palavra "queer" significa tudo que não seja heteronormativo. Embaixo dessa palavra, dá pra dizer que se abrigam todas as letrinhas da sigla. É uma palavra que engloba muito.
Enfim, vamos indo. No começo dos anos 90, alguns teóriques saídes dos estudos feministas e ciências sociais começaram a pensar sobre as lutas identitárias do séc. XX, e perceberam que precisavam teorizar sobre elas de uma forma diferente da normal. Perceberam que o espaço que estavam ganhando no mundo também precisava ser ganho nas universidades. Para isso, usando de teóricos renomados, começaram a reinventaram a maneira de pensar as sexualidades.
Meu careca favorito, o Foucault, homem abertamente gay, escreveu o livro "A História da Sexualidade", um livrão super inovador, que serve de base pra muitas das análises sobre sexualidade que les teóriques Queer vão fazer depois. Derrida é o cara que todo mundo no Twitter cita sem saber, porque ele nos anos 60 inventou o conceito de "desconstrução". Ele escreveu um monte de textos incompreensíveis falando que temos que olhar a história dos conceitos para saber como eles se formaram. Ele continua, e diz que só assim vamos saber o que eles são hoje. Esses dois e mais outres filósofes ficaram conhecides como "pós-modernos". Eles meio que rejeitavam essa classificação, mas acabou pegando.
Enfim, esses dois caras são base pra muito do que viria a ser a teoria Queer. Voltando pros anos 90, a gente começa a ver os primeiros usos desse nome. Existe muita variedade dentro da teoria Queer, a diferença e a inclusão tá no centro dela, afinal. Assim, é melhor definir a teoria Queer não pelo que ela é, mas pelo que ela não é: Ela não é normal. Não é normal, é transgressora, e resiste a definições. É um ato de desconstrução e rebeldia. Teoria Queer é de virgem porque é filosofia, mas o resto do mapa é sagitário!
Muites teóriques são elus própries queer, mas sobre o que falam? A rainha Judith Butler, por exemplo, escreveu sobre como gêneros são uma série de atos repetidos, identificados ou como masculinos, ou como femininos. Ou seja, o gênero é construído conforme os atos são repetidos. Ela lançou a ideia de que o gênero é performático, que quer dizer que é uma performance dos indivíduos, ele existe porque os indivíduos agem de modo a fazer ele existir. Vou deixar alguns PDFs desses livros lá no fim do texto, se eu encontrar. Outra autora importante é Eve Sedgwick, que escreveu "A Epistemologia do Armário" em 1990, um dos primeiros livros da teoria Queer, que desconstrói as classificações sexuais modernas como homossexual e heterossexual, além de que o nome do livro é engraçadinho. Também tem o David Halperin, autor de "Cem Anos de Homossexualidade", do qual vamos falar um pouco mais no próximo bloco. Na verdade, vamos falar um pouco sobre todos eles no próximo bloco, porque todos são bem conectados.
HETERO? HOMO? HEIN?
Como eu falei agora pouco, vamos desconstruir umas coisinhas. Essas coisinhas são normalmente vistas como se existissem desde sempre, mas a história delas pode surpreender. "Cem Anos de Homossexualidade" tem esse nome porque, numa parte famosa, lança a ideia de que "homossexualidade" só passou a existir em 1892. Eu sei que você deve estar pensando: CLARO QUE NÃOOOO!!! Isso sempre existiu, e não tem nada de errado! Mas calma, já que na Filosofia somos virginianes: tudo tem que estar dito, definido e esclarecido. Então, vamos esclarecer e perguntar - o que é homossexualidade? Bem, o autor argumenta que os atos homossexuais existem há muito tempo. Inclusive, o livro é, em grande parte, uma análise dos comportamentos em relação aos atos homossexuais na Grécia Antiga. O que é novo, de acordo com o Halperin, é que as pessoas se classifiquem de acordo com a preferência sexual. E isso é homossexualidade. As pessoas não se classificavam dessa forma, não existia uma identidade homossexual ou heterossexual, apesar de existirem as práticas desses atos. Até o século XIX, as pessoas nunca eram acusadas de 'ser' homossexuais, mas sim de 'praticar atos sexuais impróprios'. A mudança é que agora as pessoas se veem como 'sendo' homossexuais, em vez de só como estarem 'praticando atos' homossexuais.
A invenção dessas identidades só passou a existir há pouquinho tempo. Vamos olhar melhor a história da palavra "homossexual", que só foi inventada em 1860, e popularizada em 1892 por um livro de medicina. Vou dar um tempo pra digerir isso, porque olha, eu tive dificuldade de imaginar que um conceito tão importante e tão presente na vida hoje em dia só passou a existir a um pouco mais de 100 anos. Mas tem mais, essa palavra não tinha o significado que tem hoje. Inclusive, prepara porque essa vai ser um choque: a palavra heterossexual também foi criada nessa época! E olha que vai piorar, o buraco é bem mais embaixo: as DUAS palavras eram nomes de doenças! Isso porque o livro de medicina estava mais preocupado na diferença entre sexo pra reprodução e sexo não-procriativo do que entre hétero e homo. O sexo não-procriativo já era, na época, um tabu para diversas religiões, inclusive a católica. Segundo o livro, "heterossexual" designava alguém que fazia muito sexo hétero sem se reproduzir. "Homossexual" designava alguém que fazia muito sexo gay, que não tem possibilidade de reprodução. As duas coisas vieram do mesmo lugar!
Outra coisa que temos que analisar é: porque essas classificações foram criadas só nessa época? Pra que elas serviam? Afinal, se já existia o tabu com sexo não-procriativo, o que fez com que demorasse tanto para um conceito como esse existir? Bem, a resposta é que no séc. XIX, com as cidades crescendo bastante, ficava mais difícil pra quem comandava controlar tanta gente. Era mais fácil para os governos se a população ficasse mais baixa. Então, grandes campanha foram feitas, propagandas para convencer as pessoas de que sexo não-reprodutivo é um erro moral. Porém, não dava só para usar a religião como desculpa. já que as explicações para as coisas precisavam de uma base científica, a medicina criou a homossexualidade e a heterossexualidade como base. Ser chamado tanto de homossexual quanto de heterossexual era um insulto. Com a criação desses conceitos, o sexo não-procriativo foi ficando cada vez mais estigmatizado. Depois de vários anos, Freud fecha com chave de ouro. Para ele, a sexualidade se aprende, e ser hétero, ou seja, querer praticar atos sexuais que podem vir a procriação, é uma conquista pela qual há de se lutar. O processo de aquisição da sexualidade ocorre durante a infância, e se essa luta der errado, se desenvolvem distúrbios psicológicos, como a depressão, bipolaridade e esquizofrenia, mas também como a homossexualidade. As teorias psicanalíticas de Freud, apesar de revolucionárias, terminaram de assentar a homossexualidade como doença e a heterossexualidade como "normal", igual a como é no mundo de hoje.
Dá pra dizer que essa foi uma desconstrução de hétero e homo. É claro que é muito mais complicado que isso, mas esse é o básico da desconstrução. Analisar quando essas palavras foram inventadas, em que contexto foram usadas, quando mudaram. O jeito que usamos nossa linguagem diz muito sobre nós mesmos. A análise do contexto é tudo! Dá pra ver também que todas essas ações têm que estar inseridas no contexto social que acontecem. Com o tempo conseguimos ver toda a trajetória que um conceito pode fazer, e todas as consequências e vestígios desse caminho ficam mais claros.
Mas bem, depois disso tudo, vou aproveitar este momento e lançar uma questão pra você, leitor: O que você nunca parou para questionar sobre sua identidade? Estamos em uma era que identidade e auto-afirmação são super importantes, mas ao mesmo tempo, sabemos que identidades podem ser frágeis. E é por causa dessa fragilidade que sempre devemos nos perguntar porque agimos como agimos, e se o ambiente nos faz agir assim. Lembrando da teoria da Butler sobre gênero, podemos estender a noção de performance para outras áreas da vida. Isso nos deixa com uma última provocação: Você constrói sua própria identidade, dentro do seu contexto; Você é o que você faz. Então, o que é que você faz, e porque?
--
Fim do texto! Talvez você tenha uma crisezinha existencial ou outra agora. Eu sei que eu tive, e ainda estou tendo neste exato momento. Mandem ajuda! Hahaha! Não é meme. Mas também, quem não tá tendo uma crise existencial agora? No mundo que em que vivemos, não dá pra ter nenhuma certeza. Bem, a não ser a certeza de que o mundo muda e você muda junto. Nada é fixo, nada é pra sempre. Mas isso não precisa te preocupar. Tudo é como é, um fluxo, uma onda, e você tá pegando carona. Por isso, sente a brisa do mar, sente o cheiro dele. Sente o Sol no seu rosto, e deixa a maré te levar. Fiquem bem, e eu espero vocês no próximo artigo, sobre Existencialismo. Feliz Mês do Orgulho LGBTQ+.
- Texto base principal: "Como foi criada a heterossexualidade como a conhecemos hoje". É um artigo da BBC sobre a desconstrução de heterossexualidade. É super gostosinho de ler, e vai bem mais a fundo que explorei aqui! Outro texto importante foi o "Teoria Queer - Uma política pós-identitária para a educação": é um dos primeiros textos produzidos no Brasil sobre a teoria Queer, de 2001, e fala um pouco de como a teoria Queer se formou a partir dos movimentos identitários;
- Versão condensada do "Epistemologia do Armário";
- "Problemas de Gênero" da Judith Butler completo;
- O guia de linguagem neutra, é bem longo mas dá pra ir vendo devagarinho;
- Por último, recomendo o canal "Tempero Drag" no Youtube, é estrelado pela Rita Von Hunty e fala bastante sobre filosofia no nosso tempo, ela é super engraçada e eu amo muito.
Comentários
Postar um comentário
O autor deste blog reserva a si o direito de não publicar comentários que firam a lei, a ética ou quaisquer outros princípios da boa convivência. Não serão aceitos comentários que envolvam crimes de calúnia, ofensa, falsidade ideológica, multiplicidade de nomes para um mesmo IP ou invasão de privacidade pessoal/familiar a qualquer pessoa. Comentários sobre assuntos que não são tratados aqui também poderão ser suprimidos, bem como comentários com links. Este é um espaço público e coletivo e merece ser mantido limpo para o bem-estar de todos nós.